O quebra-cabeças da segurança pública 14/08/2018

Nos últimos 30 anos, a participação do governo federal na área de segurança pública tem sido a de um coadjuvante dos governadores, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Em 2018, através de uma série de decretos, o governo federal passou a contar com quatro instrumentos na área da segurança pública: as operações de Garantia de Lei e Ordem (GLO); a Intervenção Federal no Rio de Janeiro; o Ministério da Segurança Pública; e o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Será que estas medidas representam uma estratégia efetiva de coordenação?

A última GLO autorizada para o estado fluminense data de julho de 2017, durante os conflitos armados na favela da Rocinha, e tem vigência até dezembro de 2018. O comando das ações está a cargo do Ministério da Defesa, e a GLO conta com recursos próprios. Mas, em fevereiro de 2018, o Presidente da República também decretou a Intervenção Federal na área de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, de fevereiro a dezembro de 2018. O aparato institucional dessa medida é inédito: criou-se o cargo de Interventor Federal e o Gabinete da Intervenção Federal do Rio de Janeiro (GIF-RJ).

Em meio a esse processo, o Ministério Extraordinário da Segurança Pública (MESP), comandado pelo então Ministro da Defesa, Raul Jungmann, foi criado em fevereiro. A estrutura da nova pasta, responsável por coordenar a política de segurança pública e o sistema penitenciário em todo o território brasileiro, é de 76 cargos comissionados, enquanto o Gabinete da Intervenção conta com 67 cargos para lidar com a ordem pública do Rio de Janeiro.

Este cenário truncado ficou ainda mais complexo com a aprovação da lei do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), em junho. A partir de um projeto que tramitava há mais de dez anos na Câmara, a proposta voltou à pauta por iniciativa de deputados, vitaminada por uma grande novidade: o financiamento via recursos da exploração de loterias, ainda a ser validado.

No entanto, o novo SUSP não parece ter garantida a capacidade de coordenação federativa. Afinal, a lei permite que a transferência dos recursos do Fundo Nacional seja destinada aos estados mesmo sem um Plano Nacional de Segurança Pública. Na prática, isso significa dizer que os governadores continuarão a receber um cheque em branco para dispender recursos federais da forma que lhes convier, sem divulgar planos, metas e objetivos. Também não há clareza sobre o orçamento da Intervenção Federal. Em março deste ano, uma medida provisória destinou R$ 1,2 bi exclusivamente para essas atividades. Parte desse recurso parece estar destinada a aquisições de coletes, viaturas e armas. Após cinco meses de intervenção, não há informações oficiais sobre o planejamento orçamentário. Com poucos recursos e peso político, o Ministério da Segurança Pública e o SUSP não parecem ainda capazes de coordenar ações em uma política nacional consistente. O modelo da intervenção no Rio, baseado na execução de GLOs, tampouco demonstra capacidade de gestão e articulação. Operações militares, desarticuladas entre si, permanecem como centro das ações federais. Em seu conjunto, essas propostas reforçam o histórico de desorganização do governo federal, que não consegue articular respostas para a violência e a criminalidade.

 

Walkiria Zambrzycki Dutra, pesquisadora do Observatório da Intervenção e cientista política do IESP/UERJ