“Não sabemos quem matou ou quem mandou matar Marielle”, diz viúva da vereadora, na ONU” 20/09/2018

Em evento paralelo à 39ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, organizações da sociedade civil discutiram a militarização da segurança pública e a execução de Marielle.

“Hoje eu venho aqui denunciar o Estado brasileiro e sua incompetência em solucionar o crime político mais grave já cometido nos últimos anos no nosso país, o assassinato de minha companheira, vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes”. Dessa forma, Monica Benício, viúva de Marielle Franco, iniciou sua fala, denunciando a falta de respostas seis meses após o brutal assassinato da vereadora e de seu motorista, Anderson Gomes.

A Alta Comissária Adjunta do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Kate Gilmore (centro, abraçada à Monica Benício), posou com o grupo

Monica participou do evento “Militarização da segurança pública: intervenção federal no Rio de Janeiro, execuções extrajudiciais e riscos para defensores de direitos humanos”, que reuniu representantes da sociedade civil brasileira para discutir o recrudescimento das políticas públicas de segurança e o impacto sobre a vida cotidiana, sobretudo dos moradores de favelas e periferias.

As falas chamaram a atenção para a inconstitucionalidade do decreto que autorizou a intervenção federal de cunho militar no Rio de Janeiro, e também sobre como a militarização não é a resposta mais adequada para solucionar a questão da segurança pública. Participaram do debate: Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas; Renata Neder, coordenadora de pesquisa e políticas da Anistia Internacional; Pablo Nunes, coordendador de Dados do Observatório da Intervenção; Eliana Silva, diretora da Redes da Maré; e Monica Benício, viúva de Marielle Franco.

Monica pediu que o Conselho da  ONU pressione o  governo brasileiro para dar uma solução ao caso: “Precisamos que o Estado brasileiro aceite a investigação internacional. O Estado precisa prestar contas à família e à sociedade. A pressão internacional  em diversos níveis é o que pode garantir a investigação.”

Eliana Souza fez um relato sobre a ocupação da Maré pelo Exército, em 2015, ressaltando que a operação custou cerca de R$ 600 milhões  e não deixou um legado para o bairro. No ano da ocupação, ela contou,  foram registrados 17 homicídios na Maré. Em 2017, o mesmo número. E, em 2017,  os homicídios foram 42. Eliana também lembrou a operação que matou o estudante Marcus Vinicius e outras seis pessoas, em junho. A diretora da Redes frisou que a operação “superou os limites  do abuso do Estado”, utilizando um helicóptero que disparou contra a comunidade. “Em uma única rua, em um trecho de 100 metros, contamos  59 marcas de  tiros no chão”, lembrou.

A mesa de debates: Pablo Nunes, Eliana Souza e Silva, Camila Asano, Monica Benicio e Renata Neder. No canto direito, Gustavo Huppes, da Conectas

Já Pablo Nunes,  do Observatório, mostrou com dados que os resultados da intervenção não tem sido favoráveis. “Os próprios dados oficiais publicados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) demonstram a incapacidade da intervenção dar respostas aos crimes contra a vida. No período de fevereiro a agosto, os homicídios dolosos continuaram no mesmo patamar de 2017, somando 2.989 mortes. Em alguns locais houve aumento do número de homicídios, como a Costa Verde, que registrou aumento de 47% e a área do Interior, com 21%.”

Em resposta às críticas, um representante da embaixada do Brasil na ONU repetiu a declaração feita pela embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo,na terça-feira. O governo brasileiro destacou que a intervenção federal no Rio foi realizada depois de uma aprovação no Congresso Nacional e que ela termina no dia 31 de dezembro e reiterou o compromisso com uma investigação rigorosa do caso Marielle e com o diálogo com a sociedade civil.

Leia abaixo outros trechos do painel:

Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas

“Esperamos que não haja nenhuma forma de renovação porque essa [intervenção federal] já tem se mostrado uma solução que na verdade está muito longe de ser uma solução aos desafios da segurança pública no Rio de Janeiro.”

Renata Neder, coordenadora de pesquisa e políticas da Anistia Internacional

“A chamada ‘guerra às drogas’, na prática, se traduz em operações de segurança e operações policiais altamente militarizadas, fortemente armadas, baseadas numa lógica de confronto que resultam em muitas horas de tiroteio em várias áreas da cidade, que resultam em inúmeras violações de direitos humanos, especialmente homicídios praticados pela polícia.”

Pablo Nunes, pesquisador do Observatório da Intervenção

“É um erro acreditar que as Forças Armadas podem dar solução a questões de segurança pública do Rio de Janeiro ou de qualquer outra cidade do Brasil. Militares são especialistas em defesa e estão preparados para guerras. A violência e a criminalidade urbana envolvem questões sociais, demandam diagnósticos rápidos de fenômenos que se alteram constantemente e requerem capacidade de gestão de diferentes entes públicos e experiência em inteligência, investigação e técnicas policiais”.

Eliana Souza Silva, diretora da Redes da Maré

“É urgente nesse contexto que haja um maior controle sobre a circulação de armas no país e ainda uma revisão sobre a atual legislação sobre a política de drogas. Sem dúvida têm sido esses os problemas centrais que atingem em sua maioria os pobres, moradores de favelas e periferias, e jovens negros”

Monica Benício, companheira de Marielle Franco

“A morte de Marielle é a expressão mais evidente da violência que pretende calar e intimidar todas aquelas pessoas que defendem os direitos humanos hoje no Brasil. É estarrecedor que, seis meses depois, exatos 190 dias, deste atentado político que tirou a sua vida, cometido durante uma intervenção federal de caráter militar, esse crime siga impune. Não sabemos quem matou ou quem mandou matar Marielle.

A execução de Marielle não será instrumentalizada para o recrudescimento das barbáries políticas que a executaram. Não toleraremos nem mais um dia da falsa narrativa da guerra às drogas, do confronto armado que esconde o profundo comprometimento dos agentes do Estado na perpetuação de arranjos lucrativos do tráfico de drogas e de armas”.

 

Assista ao debate na íntegra:

 

Veja abaixo o folder em inglês distribuído no evento.