Observatório da Intervenção

Contexto

Em 16 de fevereiro de 2018, o governo federal decretou uma intervenção na área de segurança pública no estado do Rio de Janeiro. Como Interventor, foi designado um general do Exército, Walter Souza Braga Netto, que passa a ter comando direto sobre as polícias estaduais, sobre o Corpo de Bombeiros e sobre a Secretaria de Administração Penitenciária até 31 de dezembro desse ano. O decreto foi posteriormente aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal no dia 20 de fevereiro desse mesmo ano.

O que diz o decreto

O decreto 9.288, sancionado pela Presidência da República em 16 de fevereiro de 2018, define os parâmetros da intervenção federal no estado do Rio de Janeiro. Entre outras coisas, estabelece:

  • A duração da intervenção: até 31 de dezembro de 2018
  • O objetivo da intervenção: pôr fim ao “grave comprometimento” da ordem pública
  • O escopo da intervenção: limitada à área de segurança pública
  • Quem será o Interventor: o General do Exército Walter Souza Braga Netto
  • A natureza do cargo de Interventor: de natureza exclusivamente militar

O decreto também determina que o Interventor esteja subordinado diretamente à Presidência da República, sem que precise se sujeitar a normas estaduais que conflitem com as medidas necessárias à intervenção; e que exerça controle operacional de todos os órgãos estaduais de segurança pública, podendo usar de seus bens, serviços e servidores para emprego nas ações de intervenção.

A intervenção é constitucional?

O decreto de intervenção federal se vale de instrumentos normativos previstos na Constituição Federal; especificamente, dos artigos 34 e 36, que versam sobre as possibilidades de intervenção do governo federal nos estados e no Distrito Federal[1]. No inciso III, o Artigo 34 estabelece que a União pode determinar intervenção federal em uma unidade da Federação quando para “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”. Para tal, conforme estabelecido no artigo 36, a decretação da intervenção deverá especificar a amplitude, o prazo e as condições de execução em decreto a ser enviado para apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa do estado. O mesmo artigo determina que, uma vez cessados os motivos da intervenção, ela deverá ser imediatamente revogada.

No entanto, diferentes entidades da sociedade civil questionam a constitucionalidade dessa medida. Em primeiro lugar, aponta-se que, dado o caráter de excepcionalidade da intervenção, o decreto deveria ser mais específico quanto às suas motivações e ao seu escopo. Sendo assim, argumenta-se que o alegado motivo de “pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública” é vago e pouco objetivo; e que as atribuições do Interventor permanecem obscuras, resumindo-se a declarar que ele terá prerrogativas sobre a área de segurança pública.

Mas o principal ponto de controvérsia diz respeito à natureza militar do cargo de Interventor. Nas palavras de Eloísa Machado de Almeida, coordenadora da FGV Direito, “a intervenção federal permite a substituição da autoridade política estadual pela federal, mas não a substituição da autoridade política civil por uma militar”[2]. Além disso, ao especificar a natureza militar do cargo, o decreto dá margem para que as ações do Interventor – e, particularmente, eventuais crimes cometidos em decorrência da intervenção – sejam submetidas exclusivamente à jurisdição militar, e não à Justiça comum[3]. Dessa forma, dificulta o controle civil e democrático sobre as atividades da intervenção.

Questionamentos da sociedade civil

Diferentes atores da sociedade civil que trabalham com temas relacionados aos Direitos Humanos têm se posicionado publicamente sobre a intervenção federal. Em geral, a sociedade civil organizada demonstra preocupação com possíveis violências e violações de direitos que possam vir a ocorrer como resultado direto ou indireto das ações da intervenção, sobretudo contra moradores de favelas e periferias. Salienta ainda que o uso das Forças Armadas em ações de segurança pública é estratégia pouco eficiente e insustentável por longos períodos de tempo, o que pode resultar, a médio e longo prazo, no agravamento do contexto de insegurança a que pretensamente a intervenção desejaria fazer frente. Por esse motivo, a maior parte das organizações de Direitos Humanos se diz contrária à intervenção (para acessar notas e declarações de organizações da sociedade civil sobre a intervenção, clique aqui).

Preocupadas com os impactos e as consequências da intervenção, diferentes entidades da sociedade civil estão criando mecanismos de acompanhamento e fiscalização das ações da intervenção. Listamos abaixo algumas dessas iniciativas:

  • Observatório Jurídico da Intervenção Federal, organizado pela OAB-RJ
  • Comissão Popular da Verdade, organizada pela Faferj
  • Central de Supervisão das Garantias dos Direitos Fundamentais, da UFRJ

Em paralelo, instâncias institucionais em nível municipal, estadual e federal têm se organizado para acompanhar as atividades da intervenção. Tais iniciativas incluem:

  • Comissão de Acompanhamento à Intervenção Federal, da Câmara de Vereadores (RJ)
  • Grupo DPU Mais Rio – Pela proteção dos direitos dos cidadãos do Rio de Janeiro, da Defensoria Pública da União
  • Observatório Legislativo da Intervenção Federal, da Câmara dos Deputados
  • ObservaRIO – Observatório de Direitos Humanos da Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio, do Ministério dos Direitos Humanos

Para saber mais sobre as reações da sociedade civil à intervenção, clique aqui.